14 de abr. de 2013

Maestro de Bananeiras Constrói Instrumentos de Sopro Reciclando Sucatas


Wellington Farias*

Com mais de trinta anos dedicados à música, o maestro e comunicador Batista de Andrade – trompetista dos bons - lançou-se ao desafio de aproveitar cacarecos para construir instrumentos musicais. O resultado são peças de comprovada funcionalidade mecânica, boa sonoridade, e que chamam a atenção, sobretudo, pelo caráter exótico e cores berrantes.
A “jóia” que melhor incorpora o estilo personificado da peças totalmente fora dos padrões estéticos dos instrumentos de sopro foi batizada de “Bapisfone”, a mistura de Batista-piston-saxofone. O formato faz lembrar o estranho trumpet de Dizzy Gillespie, um dos precursores do movimento bebop no jazz moderno. Com um detalhe: além de mais radical em suas formas, tem a campânula inclinada para trás - e não para frente como o do lendário jazzista norte-americano. E ainda requer a correia semelhante à do sax.
Outra peça não menos curiosa da lavra de Batista tem forma de satélite. Por isso mesmo ganhou essa denominação. É um belo instrumento artesanal com pistões cobertos com botões prateados transplantados de um blazer, bem trabalhado em sua superfície de alto relevo e soldado numa bucha de alternador de carro.
Batista de Andrade ostenta com notório orgulho as peças que constrói à base de sucata, imaginação, esmero e paciência. Ele é um curioso forçado pela carência do local nesse ramo de atividade a consertar instrumentos. “Vi que as pessoas ‘customizam’ roupas e até carros, resolvi customizar de forma diferente”, explicou o músico de 44 anos, natural de Bananeiras, no Brejo da Paraíba, onde mora com a família.
O despertar para a onda de “customização” nasceu da necessidade de aproveitar a sucata sonora que iria para o lixo. “Comecei a juntar peças, montar e testar a afinação; vi que podia construir instrumentos com pedaços de outros”, contou. Mas não é tão fácil quanto parece: o resultado tem que ser um instrumento cômodo, equilibrado, bem afinado e esteticamente fora dos padrões convencionais, para adquirir um “Q” de diferente.
Apesar dos resultados surpreendentes, a fabricação de instrumentos exóticos ainda está em fase experimental. O designe é imaginado pelo próprio Batista. A maioria das peças é sucata de instrumentos e outras ele manda fazer segundo a sua própria concepção. O processo de afinação é demorado e exige vários ajustes no tamanho da tubulação e inclinação da campânula.
Na oficina do novo artesão bananeirense já começa a tomar forma um trombone, o primeiro do gênero fabricado a partir de sucatas, enquanto uma nova idéia “matuta” na cabeça do maestro: reaproveitar instrumentos inúteis para ornamentação. A primeira “vítima” tende a ser um surrado – mas elegante - saxofone que já animou muitas festas. “Penso em serrá-lo ao meio e fazer uma peça ornamental”, revelou.


Batista e seus instrumentos ©Guy Joseph
O maestro, a comunicação e a arte

Nascido dois meses após o Brasil ter sido arrebatado por um golpe militar (em 1964), Pedro Batista de Andrade é uma espécie de canivete suíço no campo das artes, do lazer e da comunicação. E na política também. É músico dos bons, produtor cultural, esportista, radialista (comunicador e repórter) e já foi vereador na sua terra natal.
O seu potencial de comunicador foi descoberto por Roberto Carlos de Oliveira, um ícone da radiofonia paraibana por trás dos microfones, já falecido: Batista fora levado à Rádio Tabajara – ainda na Avenida João Machado, em João Pessoa - para fazer um estágio de operador de áudio. Ao final, Roberto sentenciou: “O seu lugar é do outro lado, no microfone”. Na mosca: Batista iniciou uma carreira e consagrou-se um dos radialistas mais importantes do Brejo da Paraíba.
Atualmente ele acumula (com outras atividades) a Direção de Programação da Rádio Rural de Guarabira. Já fez incursões por outras emissoras, dentre elas a Cultura (também de Guarabira) e a Integração do Brejo, esta de sua cidade natal, onde foi de jornalista a animador de programa, passando por forrozeiro.
A vida de Batista está umbilicalmente atrelada à música. Foi através dela que ele, ainda menino, reintegrou-se à sociedade, depois de praticamente perambular pelas ruas após a morte do seu pai adotivo. “O mundo desmoronou sobre mim: também se foram o teto, o afeto e o pão”, conta o criador da “Lira dos Artistas”, uma banda filarmônica de Bananeiras fundada em 1997, que anda cambaleando entre a falta de apoio do Poder Público e os salários dos músicos atrasados.
Compositor e autor de dobrados, o maestro foi adotado aos quatro meses por Eduardo Andrade Neves, um viúvo que dividia a casa com Maria Narciso, uma espécie de governanta. A mãe natural, Severina Batista, ele só conheceu dezoito anos atrás e faltando dois dias para ela morrer num leito do Hospital Newton Lacerda, em João Pessoa.
Batista tem dez irmãos, dentre os quais cinco mulheres. Apenas duas não se prostituiram. Ele conheceu nove dos irmãos e falta conhecer apenas um. “Os meninos se marginalizaram”, conta com indisfarçável tristeza. Ele só veio saber quem era o pai biológico quando este já tinha morrido. Conheceram-se e se cruzaram reiteradas vezes, mas não imaginavam que havia qualquer grau de parentesco entre ambos. No leito de morte, aos 47 anos, a mãe lhe confessou haver dado para adoção por falta de condições de criá-lo.
Quando aos treze anos Batista de Andrade ainda trilhava caminhos tortuosos de semi-abandono, o maestro José Pereira, de Serra Redonda, na Paraíba, instalou em Bananeiras uma escola de música. Batista, que no gosto do pai adotivo deveria ter sido médico, matriculou-se para ser ritmista. Com o tempo, entusiasmou-se pelo trompete. Só a partir daí a sua vida tomou um rumo promissor. Hoje, além de um profissional versátil muito bem conceituado, é casado, tem uma família muito bem estruturada e um padrão de vida dos melhores da cidade de Bananeiras.


Wellington Farias entrevista Batista - ©Guy Joseph

*Esta reportagem foi publicada na capa do Segundo Caderno do jornal CORREIO da Paraíba, edição de domingo (11/01/09)
Wellington Farias, com fotos de Guy Joseph
 

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